terça-feira, 24 de maio de 2016

Carta para Coraline.... Ou para Karina

Quando você fugiu pela porta secreta, fiquei assustada por perceber que aquilo não ia melhorar em nada as coisas pra você. Sabe, de vez em quando é normal sentir que a vida que vivemos não é a vida que escolhemos… Quando isso acontecer, lembre-se da estrada de tijolos amarelos; aquela, que Dorothy seguiu quando o mundo amanheceu irreconhecível. A estrada é longa e deixará seus pés doloridos, mas ao final, o encontro com o Mágico será tão somente o encontro consigo mesma, descobrindo que tem aqueles dons escondidos_ pensamento, sentimento e vontade_ tão reais e materializados quanto as figuras do espantalho, homem de lata e leão. Esses dons já existem em você, Coraline. Mas talvez precise perceber que a liberdade também. É tão difícil nos sentirmos livres!!!! Atribuímos as razões de nossas frustrações fora de nós, encontramos bodes expiatórios pra nossa falta de sorte, e não percebemos que o caminho sempre esteve a nossa mercê e disposição, mas preferimos não arriscar. Supomos que deixar nossas folhas em branco seja mais seguro do que simplesmente usar a borracha. Somos tão covardes Coraline… Tome cuidado pra não cair na armadilha da perfeição. Essa talvez seja a pior das prisões, e pode arrastar uma infinidade de consequências ruins derivadas dessa vontade de que tudo corra_ perfeitamente_ bem. Nunca se esqueça: Mesmo quando as coisas dão errado, a gente sobrevive. Então desista dessa mania de levar o guarda chuva dentro da mala para o caso de chover. Se chover, aproveite pra voltar a ser criança_ molhada, com o cabelo arrepiado e maquiagem escorrida. Tolere os imprevistos, encontre neles sua oportunidade de crescimento. Não encha a despensa com tantos mantimentos_ felizmente não vivemos em tempos de guerra e adaptar aquela receita vai estimular sua criatividade. Corra mais riscos; deixe o protetor solar de lado por alguns instantes. Não contabilize prós e contras de cada atitude_ de vez em quando a gente perde, de vez em quando a gente ganha; ouça mais seu coração do que a opinião de sites especializados, livros ou conversas de estranhos. Não abasteça sua geladeira com tudo o que o Globo Repórter diz_ semana que vem a orientação é outra e você não descobriu o que é saudável_ e possível_ pra você, só você. Aprenda a confiar no seu taco, a ouvir sua intuição, a acreditar que é capaz de fazer boas escolhas sem um guru de estilo ou receita farmacêutica carimbada. Confie_ você não imagina o quanto isso pode ser libertador e transformador. Antes que eu me esqueça: prefira uma verdade feia a uma mentira bonita. De vez em quando somos tentados a disfarçar nossas miudezas, e criamos fantasias onde pensamos que podemos nos refugiar. Mas isso dura tão pouco Coraline… E quando a verdade aparece, o estrago é tão devastador… Assuma sua vida do jeitinho que ela é, sem tirar nem pôr; e nunca se envergonhe daquilo que lhe aconteceu. Essa é sua história, e negá-la só fará com que se sinta mais presa, mais encarcerada, mais infeliz. Aprenda a tolerar seu enredo. Vou te contar: Se existe um lugar onde pode se refugiar em segurança, esse lugar é na verdade. Não negue seus afetos, suas alegrias, suas vitórias e desejos, mas principalmente, não negue sua dor. A gente só sai da tristeza quando se permite vivenciá-la. Pode ser que um dia você sinta que seus olhos enxergam melhor quando estão úmidos. Isso acontece porque a lágrima lubrifica a visão, enquanto a tristeza nos reconecta ao que de mais verdadeiro existe em nós. Então chore, chore, e não disfarce seu abandono, sua decepção, raiva e frustração. Mas depois dance, dance, dance… pois a dor também tem o seu feitiço, Coraline. Aproveite a viagem sem tentar entender cada passo. Nem tudo tem explicação lógica e a vida, na maioria das vezes, é injusta mesmo_ mas quem somos nós para julgar aquilo que é realmente justo? Então não fiquei olhando pro lado e tomando conta do que não lhe pertence. Ame o que lhe cabe, e tolere as demoras, os percalços e falhas. Não exija demais de si mesma nem dos outros. Esqueça um pouco o relógio e se perdoe quando preferir dormir um pouquinho mais no domingo. Você não é o homem de lata e muito menos o de ferro! Acima de tudo, seja autêntica. Não endureça com medo de ter sua sensibilidade revelada nem se alegre demasiadamente para que não lhe percebam as lágrimas. Seja autêntica nos desejos, no descontentamento, na necessidade de ficar sozinha ou dizer “não”. Não se desdobre pra agradar todo mundo, isso é muito cansativo, desastroso e não lhe ensina o respeito por si mesma. Por fim, mais uma palavra de bolso: Tenha coragem de amar e ser amada. Mas não se surpreenda quando o amor lhe parecer imperfeito, cheio de nós, pontas e contradições. Nenhum amor é igual ao outro, e tentar algum modelo é desconstruir a liberdade de ser quem você é. Por isso, não tenha medo de romper a fronteira daquilo que lhe parece seguro. Siga pela estrada de tijolos amarelos e quem sabe, além do arco-íris, encontre a si mesma mais amadurecida e feliz, Coraline.  

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